3.

Tudo começou certo dia quando meu cérebro renegou sua autonomia e decidiu fazer greve. Já não queria ser o responsável por decisões a serem tomadas. Por mais incrível que pareça coincidiu com o momento em que meu coração já não queria mais sentir por estar sofrendo demais. Fato é que as diferentes partes de mim se desagregavam para tornarem a ser coisa inteira. Tinham chegado à conclusão de que nada valia à pena e queriam apenas, e nada menos, que a unanimidade.

Tornar a ser uma só voz, uma única linguagem corporal. Este era o lema: Dito e Feito. Mesmo porque não havia mais distância entre intenção e gesto. Tudo era uma coisa só e a vida passou a ser vivida de corpo inteiro. Eis que surgiram certas complicações... Minha alma ficou sabendo o que me acontecia e achou por direito que também deveria ser incorporada. Foi criado o impasse: como é que o efêmero se tornaria matéria? Pior, que lugar no espaço ocuparia? Aliás, meu corpo nunca havia visto a minha alma e havia certo receio de que, em virtude de sua fama, a alma uma vez palpável seria tão grande, a ponto de ser impossível fazer parte de algo menor que ela. O que fazer? Um corpo não podia deixar de ter alma, mas se a alma ao se tornar matéria fagocitasse o corpo, este deixaria de existir do mesmo jeito. O desaparecimento de meu corpo parecia coisa inevitável. Que horror! Entretanto, meu fim não significava minha extinção. Ora, perceba: com a morte a vida continua! As bactérias que se alimentam do seu cadáver fertilizam o solo em que nasce a grama que a vaca pasta. Ou seja: você vira hamburger!

DEMIURGOS, UNI-VOS! FAÇA O POSSÍVEL COM O MÍNIMO [2008]
Acrílica sobre Parede, 136x79cm.
Foto: Luis Oliveira.

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